Crônicas do Paraíba #3 - Anjo caído. (pt.1)

Posted: sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011 by Paraíba in Marcadores:
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Espero mesmo que tenham gostado de Fim da Linha, pois consumiu algumas horas de esforço e criatividade. Nossa próxima história tem alguns pontos de diferença em relação a última. Primeiro que usarei uma protagonista mulher, algo que será um desafio pra mim. Segundo que será uma história de amor, mas com um "quê" de suspense, algo mais mítico e crú que o outro conto. Boa leitura!

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"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me."

Eu queria ter olhos assim, Mentira, adoro meus olhos azuis. Mas na verdade o que eu queria era alguém que reparasse em mim tão bem quanto o Dom Casmurro.

Estou adorando esse livro.

Sempre adorei livros, até livros como esse, que eu tenho que ler por obrigação para o colégio. A propósito, vocês nem me conhecem ainda.

Meu nome é Lívia, tenho 17 anos e estou no terceiro ano do ensino médio de uma escola católica. Não me considero bonita, mas também não me considero feia. Os guris não me acham feia e é isso o que importa no final. Não sou daquelas gurias que quer ficar bonita pra agradar outras gurias (ou melhor causar inveja) embora sinta um pouco de prazer feminino em fazer isso. Quem não sente?

Antes que pergunte, sim, eu estou solteira. Não que eu reclame disso, afinal nós adolescentes somos eternos solteiros. Mas, por ser uma pessoa um pouco mais lida que as outras da minha idade, não posso negar que me incomoda o fato de ninguém realmente gostar de mim, e sim só me usar como objeto por beleza. Eu já gostei de muitos guris, mas eles nunca quiseram nada sério. Isso incomoda, demais.

Já gostaram de mim uma vez. Sei que não é muito, mas gostar por gostar não é gostar. Pra se gostar mesmo tem que necessitar daquela pessoa, ver ela tem que ser algo indispensável, algo implacável em sua vida. Não pode simplesmente querer tê-la, tem que querer senti-la em todos os sentidos, desde o beijo até uma conversa banal. Tem que gostar das qualidades, e amar os defeitos. Muitas pessoas nunca tiveram alguém que realmente gostasse delas. Eu só tive um.

Miguel. Seu nome era Miguel.

Aconteceu no primeiro ano. Miguel era um daqueles rapazes legais, amigos de todos, mas a última pessoa que alguém iria esperar ficar. Não me levem a mal, não sou superficial. Nem ele era estupidamente feio. Mas, por algum motivo (talvez até científico) eu não me imaginava ficando com ele, simplesmente.

Acho, hoje, que subestimei o que ele sentia por mim. Pensava que era bobagem, que era passageiro. Gostava mesmo dele, mas como amigo, como um cara divertido que fazia os nossos dias cansativos em sala de aula passarem mais rápido. Nunca imaginei que duraria.

Mas durou, e muito. Quando já estávamos no final do ano, isso não passava e eu não sabia o que fazer. Durante esse período de mais ou menos 8 meses, fiquei com dois caras. O primeiro era o Marcus. Bonito, lindo, inteligente, um ano mais velho, o cara mais desejado no colégio. Pra mim ele era apenas um carinha legal que ficou comigo em uma festa e só. O problema é que o Miguel estava lá na festa, e eu soube que quem teve o azar de testemunhar a fúria dele desejou não ter visto.

O segundo foi o pior. Era o Lucas. Não era bem o melhor amigo do Miguel, mas os dois eram bem chegados. O Miguel amava rock, de todas as maneiras e o Lucas tocava quase todos os instrumentos. O interesse em comum os levava a várias horas de conversa sobre o assunto. Fiquei com o Lucas no colégio mesmo, e fomos ficando por um mês mais ou menos. Não rolou namoro só por que ele não quis.

Nesse período, o Miguel se trancafiou no quarto por dias a fio. Faltava montes de aula, não saía mais com os amigos, não queria mais nada nem ninguém. Eu me sentia culpada, mas o que podia fazer? Eu gostava mesmo do Lucas, e queria ficar com ele. Até hoje desconfio que o Lucas sentiu pena do Miguel e por isso não seguiu comigo. Isso me dá certa angústia.

O fato é que no fim das aulas, o Miguel sumiu. Nunca mais vi ele em lugar algum. Os amigos não conseguiam mais falar com ele. Telefone não atendia. Redes sociais foram deletadas. Ninguém mais viu ele em canto nenhum depois disso. Até o pai (a mãe dele tinha morrido no seu nascimento) não era mais visto. Ele sumiu das nossas vidas e, tivemos a infelicidade de reparar que sentimos sua falta.

Mas os anos se passaram e Miguel foi esquecido. Terminei de ler o capítulo do livro e resolvi parar de divagar um pouco. Vou ligar a televisão.

Jornal Nacional. Adoro ver notícias lidas por uma voz grossa. Parece que foi algo sério, vamos ver.

"Boa noite. No escritório regional da Petrobras, o engenheiro químico Marcus Laerte Vianna foi encontrado morto em cima de sua escrivaninha. A perícia informa que a provável causa de sua morte foi por esfaqueamente constante, devido as marcas encontradas em seu pescoço. As investigações seguem, embora nenhum suspeito tenha sido detectado. A empresa que cuidava da segurança do escritório informa que misteriosamente todas as câmeras do recinto falharam durante meia hora, ligando o alerta vermelho que aparentemente não atingiu o local do assassinato. Mais informações no Jornal da Manhã".

Engenheiro da Petrobras? Não era isso que o Marcus fazia? Vianna...SIM!

Era esse o sobrenome dele!

Alguma coisa muito estranha estava acontecendo. E o arrepio na minha nuca era inevitável.

(continua. Adios e comemorem antis)

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