Tem um pedaço de metal retorcido na mesa de cabeceira.

Posted: domingo, 21 de julho de 2013 by Paraíba in
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Tem um grito feminista ecoando na rua,
Uma poça de sangue,
Uma poça de violência traduzida em decibéis.
A cada Maria que vira Maria Fumaça por um golpe de cachaça,
A cada virilidade transformada em socos,
Seguem os gritos e os decibéis em fusão com o asfalto.

Tem uma flor de cor indefinível nascendo na esquina,
Eu não sei seu cheiro nem seu nome cientifico,
Esqueço até da sujeira da viela em que ela brota, tão mansa.
Um dia descubro quem ela é.
No momento, só limpo a viela.

Tem um computador mudo digitando socorro,
Ele sabe que existe, mas precisa que o resto saiba.
Precisa achar seus irmãos, aqueles que foram para a reciclagem.
Ele quer a salvação e a dor no direito de ser gente.
Quer fugir dessa vontade de aparecer, desses rótulos
Desses vendedores de lojas de eletrônicos.
Ele quer escrever poesia.

Tem um pedaço de metal retorcido na mesa de cabeceira,
Ao lado da garrafa de água meio cheia, pois bebi durante a noite,
À direita de uma bíblia fechada há anos, e quase escondido
Pelo comprimido para ressaca que comprei sábado passado e
Que acabei não usando, pois, se usasse, esse texto não existiria.
(e as pessoas não encontrariam motivos para nascer e matar nele).
Tem um descongestionante nasal ali também.

Tem uma moça bonita do outro lado da rua.
Ela pode se casar comigo amanhã e sustentar esse sonho (quase inconsciente)
De dividir o meu comprismo burguês com outra, possível, infeliz.
Ela pode ser uma massa de carbono intolerante que lê asteriscos do passado
De cada cidadão mimado o suficiente para romper as amarras do valor social
E adotar um nome sem telefone.
Ou ela pode escrever poesia como o computador queria escrever.
Deixo ela do outro lado da rua.

Tem uma luta no asfalto, na viela suja, na loja de eletrônicos, do outro lado da rua.
Na minha mesa de cabeceira.
Tem uma luta que nasce como a Estrela Dalva perante a escuridão dos dias,
Uma luta que pretende lutar pela mesma maneira que se muda de opinião,
Pela mesma maneira que se tem mania de perseguição,
Pela mesma maneira que é justo lutar.
É a luta do fim dos dias, é a luta da metalinguagem.
É a luta onde todos os nomes e todos os telefones serão apagados e trocados
Pelas lições tribais de nossas artérias.
A luta continua.