Free Rainer: a arrogância do "intelectualismo revolucionário".

Posted: terça-feira, 25 de junho de 2013 by Paraíba in
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            Em 2007, o diretor austríaco Hans Weingarther (imagine este que vos escreve lendo isso com um sotaque que faria os alemães declararem a terceira grande guerra) apostaria de novo no tema do controle e das liberdades, como em seu sucesso Edukators, do início da década. Em Free Rainer, temos uma premissa um tanto quanto paranóica: um famoso produtor de uma grande emissora de TV alemã (o Rainer do título) sofre uma batida por parte de Pegah, que perdeu seu avô devido a calúnias do canal de Rainer. Durante o coma, o protagonista tem um lapso de consciência e percebe: estamos fazendo algo de errado, a televisão deve ser realmente mais instrutiva. Então Raineir, Pegah e mais um grupo de desajustados (e o diretor faz questão de repetir isso na nossa cara) passam a tentar modificar o sistema de audiências, onde poucos representam o que muitos acabam vendo por modismo.
A premissa é interessante, realmente. Não por ser inovadora. Lapsos de moralidade perante a um sistema falho são extremamente comuns em ficções cientificas. Tanto elas, quanto a famigerada Síndrome de Frankenstein (esta última encontrando o seu fim no escritor russo Isaac Asimov), circulariam por anos na literatura e no cinema, gerando clássicos como Admirável mundo novo de Aldous Huxley, A máquina do tempo de H.G Wells e 1984 de George Orwell. O brilho da premissa vem dessa distopia se encontrar em nosso tempo, tornando o momento de despertar do produtor ser aplicável a todos nós. Somos REALMENTE vítimas da programação de TV atual. Não é uma imaginação, nem uma fantasia.
O problema é a maneira como o diretor trata desse lapso. Enquanto em 1984, por exemplo, temos toda uma construção de personagem e de universo que permitem com que a personagem sinta dúvida. É um vazamento de uma pressão desumana, uma construção de personagem necessária para uma mudança assim. E isso nem é fruto do maior espaço dado à linguagem literária – a adaptação da obra de Orwell (dirigida por Michael Radford e lançada ironicamente no ano e dá título à obra) também nos dá muito mais motivo para crer na repentina correção de opinião, que gerariam as ações posteriores.                 
As próprias ações em si, são um problema, por serem vazias em conteúdo e questionamento. Eu, em minhas elucubrações, me coloquei na cadeira do roteirista e me imaginei fazendo praticamente tudo diferente depois do insight de consciência, já criticado no parágrafo abaixo. Enquanto eu imaginava que a luta de Rainer e seus amiguinhos (no maior estilo Sessão da Tarde) ia ser por uma verdadeira democratização, mostrar ao povo alemão que o sistema de audiências é falho e os leva a assistir certo tipo de programação, a trama escolhe o caminho da obviedade. Em uma aventura super radical (olha a Sessão de novo), eles começam um esquema de adulterar o sistema para programas ditos “intelectuais” terem maior audiência, levando os teutônicos a assistirem filmes Cult, documentários e entrevistas com escritores no lugar de reality shows.
Essa ideia soa elitista e conservadora. Aqui no Brasil, quando muitos criticaram os antigos tropicalistas por se apropriarem de uma ideia de “cultura popular” e hoje passarem a imagem de intelectuais da elite, parece que surtiu efeito. Em seu último álbum, Caetano Veloso nos brinda com o seu “Funk Melódico”, que não deixa nada a desejar as outras canções da produção. Será que a verdadeira intelectualidade está presa a conceitos que nos afastem o máximo possível do que todos gostam? Será que é um sinônimo de pensar diferente da maioria? Prefiro acreditar que não.
           E no terceiro e último ponto negativo, temos a maldita mudança no ritmo da história, uma mudança brusca, mas, infelizmente, não voltada para a agitação. Depois do surto catártico que Rainer tem no seu coma, a história praticamente rasteja perante o espectador. Até a fotografia (que antes assumia tons em um azul mais escuro, que encontram o seu apogeu na cena do sonho) torna-se amarelada ou bege, típica de filmes mais leves como comédias românticas. Até um romance entre a Pegah e Rainer (!!) acontece, incluindo a cena que mais descreve o quanto o filme perde o ritmo: um dos desajustados amigos de Rainer caindo da escada, em um momento de fazer Renato Aragão ter inveja. Não é algo errado mudar de ritmo, o meste Hitchcock fez isso com perfeição em seu clássico Psicose, mas isso foi um processo completamente revolucionário de simplesmente mudar o FOCO da história, como se ela estivesse sendo reescrita. Já aqui, vemos a mesma história, só que sem fôlego, como se não conseguisse sustentar a si mesma.
           O filme tem pontos positivos. O elenco está, no geral, muito bem (única exceção que eu faço é a Gregor Bloeb, que faz um vilão caricato ao extremo). E, o maior mérito, vem, talvez, de existir, nesse momento, no seu lugar geográfico. É bom ver que cineastas jovens como Weigarther ainda se preocupam em fazer cinema europeu autoral e atual, sem se preocupar com a necessidade de se vender a Hollywood ou (surpreendentemente mais comum) plastificar-se a ponto de parecer vintage, ressuscitando os sucessos e as estéticas da Europa passada. Esse mal está se generalizando, mas encontra seu foco principalmente na França, com filmes como “A datilógrafa” de Régis Roinsard e o premiado “O Artista” de Michel Hazanavicius. Nesse aspecto, para fomentar a histórica rivalidade, os alemães venceram a guerra. 

Nota: 5,5

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