Em 2007, o diretor austríaco Hans
Weingarther (imagine este que vos escreve lendo isso com um sotaque que faria
os alemães declararem a terceira grande guerra) apostaria de novo no tema do
controle e das liberdades, como em seu sucesso Edukators, do início da década.
Em Free Rainer, temos uma premissa um tanto quanto paranóica: um famoso
produtor de uma grande emissora de TV alemã (o Rainer do título) sofre uma
batida por parte de Pegah, que perdeu seu avô devido a calúnias do canal de
Rainer. Durante o coma, o protagonista tem um lapso de consciência e percebe:
estamos fazendo algo de errado, a televisão deve ser realmente mais instrutiva.
Então Raineir, Pegah e mais um grupo de desajustados (e o diretor faz questão
de repetir isso na nossa cara) passam a tentar modificar o sistema de
audiências, onde poucos representam o que muitos acabam vendo por modismo.
A premissa é
interessante, realmente. Não por ser inovadora. Lapsos de moralidade perante a
um sistema falho são extremamente comuns em ficções cientificas. Tanto elas,
quanto a famigerada Síndrome de Frankenstein (esta última encontrando o seu fim
no escritor russo Isaac Asimov), circulariam por anos na literatura e no
cinema, gerando clássicos como Admirável
mundo novo de Aldous Huxley, A máquina
do tempo de H.G Wells e 1984 de
George Orwell. O brilho da premissa vem dessa distopia se encontrar em nosso
tempo, tornando o momento de despertar do produtor ser aplicável a todos nós.
Somos REALMENTE vítimas da programação de TV atual. Não é uma imaginação, nem
uma fantasia.
O problema é a maneira
como o diretor trata desse lapso. Enquanto em 1984, por exemplo, temos toda uma construção de personagem e de
universo que permitem com que a personagem sinta dúvida. É um vazamento de uma
pressão desumana, uma construção de personagem necessária para uma mudança
assim. E isso nem é fruto do maior espaço dado à linguagem literária – a
adaptação da obra de Orwell (dirigida por Michael Radford e lançada
ironicamente no ano e dá título à obra) também nos dá muito mais motivo para
crer na repentina correção de opinião, que gerariam as ações posteriores.
As próprias ações em
si, são um problema, por serem vazias em conteúdo e questionamento. Eu, em
minhas elucubrações, me coloquei na cadeira do roteirista e me imaginei fazendo
praticamente tudo diferente depois do insight
de consciência, já criticado no parágrafo abaixo. Enquanto eu imaginava que
a luta de Rainer e seus amiguinhos (no maior estilo Sessão da Tarde) ia ser por
uma verdadeira democratização, mostrar ao povo alemão que o sistema de
audiências é falho e os leva a assistir certo tipo de programação, a trama
escolhe o caminho da obviedade. Em uma aventura super radical (olha a Sessão de
novo), eles começam um esquema de adulterar o sistema para programas ditos
“intelectuais” terem maior audiência, levando os teutônicos a assistirem filmes
Cult, documentários e entrevistas com escritores no lugar de reality shows.
Essa ideia soa elitista
e conservadora. Aqui no Brasil, quando muitos criticaram os antigos
tropicalistas por se apropriarem de uma ideia de “cultura popular” e hoje
passarem a imagem de intelectuais da elite, parece que surtiu efeito. Em seu
último álbum, Caetano Veloso nos brinda com o seu “Funk Melódico”, que não deixa nada a desejar as outras canções da
produção. Será que a verdadeira intelectualidade está presa a conceitos que nos
afastem o máximo possível do que todos gostam? Será que é um sinônimo de pensar
diferente da maioria? Prefiro acreditar que não.
E no terceiro e último ponto negativo, temos a
maldita mudança no ritmo da história, uma mudança brusca, mas, infelizmente,
não voltada para a agitação. Depois do surto catártico que Rainer tem no seu
coma, a história praticamente rasteja perante o espectador. Até a fotografia
(que antes assumia tons em um azul mais escuro, que encontram o seu apogeu na
cena do sonho) torna-se amarelada ou bege, típica de filmes mais leves como
comédias românticas. Até um romance entre a Pegah e Rainer (!!) acontece,
incluindo a cena que mais descreve o quanto o filme perde o ritmo: um dos
desajustados amigos de Rainer caindo da escada, em um momento de fazer Renato
Aragão ter inveja. Não é algo errado mudar de ritmo, o meste Hitchcock fez isso
com perfeição em seu clássico Psicose,
mas isso foi um processo completamente revolucionário de simplesmente mudar o
FOCO da história, como se ela estivesse sendo reescrita. Já aqui, vemos a mesma
história, só que sem fôlego, como se não conseguisse sustentar a si mesma.
O filme tem pontos
positivos. O elenco está, no geral, muito bem (única exceção que eu faço é a
Gregor Bloeb, que faz um vilão caricato ao extremo). E, o maior mérito, vem,
talvez, de existir, nesse momento, no seu lugar geográfico. É bom ver que
cineastas jovens como Weigarther ainda se preocupam em fazer cinema europeu
autoral e atual, sem se preocupar com a necessidade de se vender a Hollywood ou
(surpreendentemente mais comum) plastificar-se a ponto de parecer vintage, ressuscitando os sucessos e as
estéticas da Europa passada. Esse mal está se generalizando, mas encontra seu
foco principalmente na França, com filmes como “A datilógrafa” de Régis
Roinsard e o premiado “O Artista” de Michel
Hazanavicius. Nesse aspecto, para fomentar a histórica
rivalidade, os alemães venceram a guerra.
Nota: 5,5